quarta-feira, 25 de junho de 2008

CANÇÃO DA SELVA
Porto Velho, fevereiro de 2008

há cipós na floresta
rastejando entre folhas vivas
e mortas
como serpentes famintas...
vêem de paragens misteriosas
onde anjos irradiam seivas de sonhos
em sussurrantes brisas amorosas...
e há cipós que são raízes
penetrando na terra úmida
como sondas vegetais.
e há cipós que pulsam
como artérias verdejantes
circulando seivas
em corações de árvores milenares...
e há cipós que falam
em linguagens silenciosas
falam de flores, de rosas.
de segredos
e mistérios...
contam histórias heróicas
com enredos muito sérios...
falam de jardins perfumados
de palácios encantados,
de reis, rainhas, princesas
de imaculadas belezas,
e de lírios orvalhados...
e no silêncio de matas com ecos de pássaros
e gritos de invisíveis animais
ouvem-se cantos de insetos ocultos entre folhas
e chamados de sapos e rãs antediluvianos
onde lianas sobem em árvores
e vão espiar horizontes verdes!
ah! meu Deus! na verdade
sinto que ainda tenho muito que aprender
do reino vegetal!


floresta

PV- 30/01/2008

pisar em chão de musgo úmido
recoberto de folhas ressequidas,
com gravetos secos
e sementes
e restos de insetos
e sombras
e pálidos cogumelos
e ouvir o ruído dos passos
misturados com cantos de pássaros
e o coaxar de multicoloridas rãs
ocultas sob folhas verdejantes
e ouvir o sussurro do vento
brincando em folhas dançantes
e também estampidos longínquos de galhos secos
a se quebram na mata!
e saber que dentro da floresta
há espíritos silenciosos...
há espíritos que moram em árvores
em seus galhos
em suas folhas
em suas flores
em seus frutos
em suas sementes
em suas seivas
em suas raízes...
e há espíritos silenciosos
que choram lágrimas de orvalho
e de sereno
ao ouvirem o canto estridente
de serras elétricas
de homens sem alma
e sem coração
cortando troncos
de árvores centenárias!...

ESPELHOS

São Paulo, março de 2008

no meio de espelhos me movo...
vejo-me nos espelhos
ora triste
ora alegre
às vezes chorando
à vezes contente
ora cantando, rezando
mas... de vez em quando,
irreverente!
vejo-me refletido em mil facetas coloridas!
cada espelho fala-me do que sou
do que sinto
do que vou
do que escondo
do que minto!
cada espelho é um reflexo da minha vida!
em cada um vejo minha alma refletida!
cada espelho é um sinal, um arcano, um mistério!
alguns refletem meu lado alegre
outros meu lado sério!
ando entre espelhos que não sabem que são espelhos!
uns estão inteiros, límpidos, polidos,
outros embaçados, sujos,
alguns trincados, partidos...
ando no meio de espelhos refletores
que refletem ódios, tristezas,
amores....
espelhos que falam,
riem,
sentem prazeres e dores...
ando no meio de espelhos que não sabem
que eu também sou,
para eles,
um espelho!

tarde de verão em porto velho
01 02 2008

vento da tarde.
o bambu,
humilde,
reverente,
curva-se até o chão....
uma chuva cai, de repente...
sem relâmpago,
ou trovão...
é chuva de verão...
na beira da lagoa
chora
derramando lágrimas de garoa
o entristecido chorão...
um besouro ruidoso negro
brilhante,
voa...
zzzzzzzzzzzzz...
voa pesado
desajeitado...
voa a esmo
e vai pousar lentamente
numa folha de taboa...
chega a noite estrelada...
uma lua rosada aparece...
o sentimento é de paz, sossego, prece...
e o vento, continuado,
soprando, zunindo, cantando
a toda floresta
abençoa...

canto da floresta
31/01/2008

o silêncio da floresta
é um silêncio misterioso, compacto,
algo no universo
que ainda permanece intacto!
uma massa de zumbidos,
de ruídos
de folhas balançando,
de folhas roçando uma nas outras,
de pequenos grilos no cio...
de pios, arrulhos, cicios...
são barulhos
de minúsculos motores
de insetos zumbidores...
se você prestar atenção
há de ouvir um ruído estranho dentro da floresta...
um ruído quase inaudível,
misterioso
e indescritível...
mas tão real como o canto da juriti,
e o piado do anu,
do chamado do bentevi
e do gemido triste do nambu...
é o ruído de milhões de formigas
andando apressadas
nervosas, atarefadas
em cima de folhas secas
levando mantimentos
para os labirintos de suas tocas profundas...
é o ruído de milhões de raízes
perfurando a terra úmida
na eterna busca da água vital!
e da seiva subindo,
se expandindo
pelo cerne do reino vegetal...
e se transformando em galhos
folhas, flores,
frutos...
se você silenciar sua mente,
aquietá-la suavemente
e ouvir com muita atenção
há de ouvir um ruído aveludado...
são aranhas tecendo suas teias...
são crisálidas
metamorfoseando-se em borboletas...
são sementes germinando
debaixo da terra grávida...
são cogumelos crescendo e se espalhando
nos troncos apodrecidos
da floresta...
são serpentes rastejando
por entre folhas secas no chão...
são abelhas
fabricando o precioso mel!
são flores desabrochando...
e pétalas se desprendendo suavemente
para colorir e perfumar
o sombreado chão...
são folhas caindo lentamente das copas verdejantes...
são pássaros voando ao longe...
são igarapés correndo dentro da mata...
na verdade,
não há silêncio dentro da floresta!
só existe silêncio
no interior do homem
e é só com esse silêncio
que ele pode ouvir
a grande sinfonia
da vida florestal!




PORTO VELHO
neste lugar de paz
o silêncio é uma serpente invisível
que flui pelos meandros ensombrados
de raízes silenciosas
a procura de palavras
misteriosas
e sussurrantes...

rios de águas caudalosas
fluem etéreos
carregando peixes de desejos
e lagartos com escamas prateadas
dormem sorridentes ao sol
e matas cantarolantes de vento
filtram relâmpagos dourados
e gritos de pássaros labirínticos
perfuram tímpanos distantes
e anus e japins entoam seus cânticos ecoantes
em raízes encobertas
por águas impregnadas de saudades...

O índio contempla silencioso
um céu azul cobalto
em busca do pássaro mágico
que o levará um dia ao país
onde araras douradas
cantam melodias azuis
silenciosas...


Porto Velho é uma gota de sombra
numa imensa ilha de cascalho
e musgo
em águas amazônicas!

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